10 de mar. de 2006

Um coração frio

Acordou sobressaltado dentro da banheira cheia de gelo. Por uns instantes, ficou sem saber onde estava realmente. Passou de leve os olhos ao redor e foi acalmando-se aos poucos ao reconhecer a sua privada, a sua pia.

Sentou-se. Só então, uma fisgada certeira atingiu-o logo abaixo do umbigo. À esquerda. Ergueu-se num pulo e viu uma enorme cicatriz a cintilar acima da dor.

Não era médico, mas aquela marca parecia bem recente. Alguns dias, no mínimo? Sua pele estava arroxeada; seus dedos, pavorosamente enrugados. Quanto tempo passara deitando na banheira de gelo?

Sem saber o que fazer, assobiou por Wilbor, seu pequinês. Nada. Assobiou de novo, saindo da banheira e abrindo a porta. Ainda nada. Assim que deitou os pés fora daquele mar de gelo, a noite passada voltou-lhe num estrondo mental.

“boa noite sozinha sim sim o que uma mulher bonita como você faz num lugar esperando por mim jura ora ora são seus olhos sair daqui claro claro algum lugar mais tranqüilo que tal meu apartamento sozinho sim pega tua bolsa entra beber alguma coisa claro claro é só tempo deu colocar um musiquinh...”

Foi só o tempo dele beber o vinho batizado e desmaiar. Só o tempo dela abrir-lhe a barriga e roubar o seu apêndice. Ele só não entendia o porquê de se roubar um apêndice. Coração lá, dando sopa, meio entupido, tudo bem, mas ainda batia legal, rim, ou rins, no verso, firmes. Só não garantia o fígado nem o pâncreas, muita comida ruim, muita bebida boa, sabe cumé...Mas não! Ela escolheu justamente o apêndice. Como se não bastasse ainda tinha levado seu cachorro. Definitivamente, não entendia as mulheres.

***

Do lado de fora da rua, uma mulher observava-o sabendo-se não observada. Na mão esquerda trazia um pequinês angustiado, na direita, um potinho com um apêndice desgarrado, no coração, um profundo e cego rancor.
Aquele era só o começo. Como dizia o ditado: nem o inferno conhece a fúria de uma mulher desprezada.

Ben Iamin



3 comentários:

Anônimo disse...

Parabéns, Márcio. Deu nó em pingo d'agua com brilhanteza!

Abração.

Anônimo disse...

Ben, eu queria ser sua tia só pra te chamar de orgulho da titia. Me adota, vai!!!!

Anônimo disse...

Melda...a tia aí em cima sou eu!