31 de jan. de 2007

Tempos Modernos


Bruno Accioly

"Três dias depois, quando a raiva e a humilhação haviam passado, ela resolveu procurá-lo:

- Posso saber por que não me procurou?
- Espero que me perdoe, mas não vamos mais poder nos ver.
- Como?
- Você não vai acreditar, mas me apaixonei pela minha mulher.
- De que droga está falando?
- Sei que parece um absurdo, mas como você não me respondeu aquele dia, resolvi voltar pra casa. Qual a minha surpresa quando fui recepcionado pela minha esposa, coberta apenas por um véu semi-transparente, deitada no final de um corredor delicadamente criado por centenas de velas brancas. Confesso que cheguei a ter medo inicialmente. Achei que fosse algum culto satânico. Mas ela me interrompeu o pensamento e me jogou contra a parede, depois sobre o sofá e... e... não saimos do quarto por 3 dias. Seguidos! Estamos curtindo algo que não tivemos nem em nossa lua de mel!!
- Mas que merda é essa? E como assim ‘não te respondi aquele dia’ ??
- Olha, a culpa não é sua. Acho que foi sorte.... ou azar, sei lá. Provavelmente isso não teria acontecido caso você tivesse respondido a minha mensagem.
- Mas que mensagem??
- Como assim ‘que mensagem’?? A que te enviei no celular... deixa eu ver... aqui! Olha! ‘Parece uma eternidade que não nos vemos nem nos falamos. Talvez tenha sido culpa minha, mas saiba que não paro de pensar um você minuto algum do meu dia. Te quero, te amo e serei eternamente seu. Não vejo a hora de te ver hoje!’
- Jamais recebi essa mensagem.
- Recebeu sim... até guardei a confirmação... aqui... entro aqui... olha... e, epa!
- ... que foi?
- Realmente. Você não recebeu a mensagem.
- Não falei?
- Mas eu a enviei, como te mostrei. E ela foi recebida.
- Eu não recebi.
- É. Não... descobri isso agora.... bom, como eu disse, acho que foi sorte.
- Não pra mim.
- Me desculpe. Até.

Nada de Novo Denovo


Pedro Rodrigues

O que há de novo?
Pergunta capisciosa... Ou não é?
"Os Estados Unidos invadiram o Iraque". Denovo? Sim, mas essa é velha, nos tempos de jornalismo ao vivo, ontem já é história.
A sabedoria popular diz na bela canção; "É você que ama o passado e que não vê, que o novo sempre vem." Denovo. Que o novo é só o passado de amanhã. Tome por base o pacote de pãezinhos, recém saídos e quentinhos...
"Nasceu meu filho", "Morreu minha sogra". Para um colega de cacheta pode ser novidade anos depois do ocorrido. Mas, para minha esposa, não teria sentido dar a notícia mesmo (ou principalmente) na hora em que estivesse acontecendo; "O bebê vai nascer querida!" "Eu sei, filhadaputa, por que buceta você acha que ele tá passando?!" (cara feia nem sempre é fome...)
De uma perspectiva evolucionista grande novidade é o dedão, mas eu não diria a meu patrão, "Bom dia, tenho um dedão em oposição." Oposição, aliás novidade, agora é a direita. Novamente.
Novidade, para um cristão, é a reencarnação. Mas para um budista não. Para Severino do Espigão é andar de avião, mas não para Santos Dumont. Que, mais dia menos dia, logo encarna denovo, mesmo sem ser budista.
O que há de novo?
Socialmente, o casamento homossexual. Historicamente, o voto feminino. Geograficamente, todo o leste europeu. Geologicamente, a separação de Pangea.
Do ponto de vista do Deus que criou nosso mundo, pode-se pensar "As águas já baixaram denovo".
Do ponto de vista do Deus que criou todo este Universo, poderia dizer "Apaguei uma estrela".
Do ponto de vista do Deus que criou este Deus; "Fiz um Big-Bang, ainda não terminou de crescer..."
Mas estes todos talvez sejam nossos pontos de vista, e é novidade pensar assim. Pelo menos sem ir para a fogueira...
Também não se fazem mais novos como antigamente, e nada mais velho que esta fixação toda pelo novo.

E então, o que há. Denovo?

Novo


Fê Farah

Algo me aconteceu
Encontrei o passado
Escondido
Sempre esteve tatuado
Sempre mais
Nunca o que passou
Sapo nunca anda para trás
O passado traz
Me trouxe hoje
A possibilidade de ser novo amanha
O passado que vi hoje continua amanha?
Ou foi um presente do presente?
Escrevo um livro
Com recortes de mim
Comigo recortado
você na frente
Sempre no foco
Desfocando minhas novidades
Temperando minhas vontades
Desviando meu futuro
Me dando de presente o passado
Toda vez que faz me lembrar
Que amei e fui amado
Platonicamente amei
Ironicamente amado
Tudo isso é novo
E por isso quero
Quero sempre
Quero novo
Quero mais
Quero que me dê novo
Quero de novo

9 de jan. de 2007

Em Amor Tornada


Replicante Raquel

Corri tanto atrás do amor
Que assustei o amor
Ah que cansei o amor

O amor viu que eu tinha armas
Pensou que eu fosse da polícia
Esperto o amor se disfarçou

Viu o amor que eu tinha capa
Achou que era o homem do saco
Menino o amor, ai, se trancou.
Viu aberta o amor a boca de gula
Tudo ele calmo brotava ao seu tempo
Acuado o amor se recusou.
Fechou-se em copas, fechou-me a cara
E ao passar por mim na rua
pro outro lado o amor olhou.

Sem seus olhos prá olhar, sem amor, de fome,
pus-me a odiar tão tenazmente o amor!
Mas quando minguei e morri foi só o amor
Só o amor me socorreu.
Vidente viu que eu era tola
Bondoso se compadeceu
Lavou meus ossos e em fogo brando
Em seu coração de amor intenso
O mago amor por amor me desmanchou

Mas não é só minha estratégia
Não é só compreensão.
Mortalha do amor, virei seu berço
Sem braços pra agarrar o amor tomou-me o amor
.
imagem: Kuntuzangpo. Katsel Dharma Center: http://www.electrichalo.org/prayerofkuntuzangpo.html