7 de abr. de 2006

Banquete


Alexandre A. Abud

Os sonhos sempre mexeram com seu cotidiano. Noite passada tinha sonhado que chorava na cozinha e, otimista que era, não se imaginou abandonada nem preterida nas coisas do coração. Pelo contrário, pensou em cozinhar. Cozinhar com amor, com entrega, com o coração. Cozinhar com tamanha paixão que se pudesse faria algo refogado em seu próprio sangue. Nem notou que o choro era motivado pelo delicado e caprichoso corte de finas rodelas de cebola. Imaginou-se de roupas íntimas apenas, cozinhando com amor para um grande amor, mesmo que esse alguém não existisse. Cozinhar com tanta paixão como aquela que sentia só poderia resultar em algo igualmente grandioso.Tomou um longo banho. Prendeu os longos cabelos vermelhos no alto da cabeça. Passou um batom que ressaltava ainda mais seus carnudos e rosados lábios. Um leve vestido sem nada por baixo seria perfeito para aquela tarefa. Queria que suas entranhas escolhessem os ingredientes para o banquete que pretendia preparar. Dirigiu-se à feira do bairro, onde os cheiros, sons e sensações invadiriam cada poro de seu corpo.Tomada por uma força sobrenatural e sem o menor controle sobre o que fazia passou a escolher os ingredientes. Ou melhor, sua carne passou a selecioná-los. Primeiro pimentões. Apalpou os amarelos e cheirou-os. Depois os vermelhos, com as duas mãos, quase os levando de encontro ao rosto, tamanha a vontade de lambê-los. Em seguida pepinos. Suas pernas tremiam à medida que os escolhia. Inicialmente os mais finos e curtos e depois os grossos e longos. Comprou todos, ainda que não os usasse na elaboração do cardápio. Sem pensar pegou uma enorme caixa de morangos. Outra de uvas e uma porção de carambolas. Queria cheiros, queria texturas, queria tudo. Seu corpo urgia por aquilo. Flutuava entre as barracas como uma divindade. Ouvia os gritos dos vendedores como se fossem alucinações. Sentia que o mundo girava ao seu redor. Escolheu ostras grandes e pediu, imperativa, com uma só palavra, que o vendedor abrisse uma ali mesmo. Provou lascivamente e em seguida limpou a boca com as costas da mão. Sujou-a com o resto do batom e a salgada água da ostra. Sentiu-se ainda mais selvagem. Soltou os cabelos por sentir que nada poderia detê-la naquele momento. Tirou os sapatos também, jogando-os na sacola displicentemente. Agora queria frutas secas. Experimentou tâmaras, passas, figos e ameixas. Comprou nozes, amêndoas e castanhas. Na banca de flores comprou amores-perfeitos e um saco de terra preta. Tinha vontade de comê-la, tão grande o frenesi que a tomou de assalto naquela manhã. Sentou-se no chão, de pernas abertas e enfiou suas lindas mãos no saco de terra para revirá-la, com desleixo e desapego. Por pouco não a esfregou em seu corpo. Queria sentir a energia da terra, queria a textura, o cheiro. Enlouquecida. Os demais freqüentadores desviavam-se dela, principalmente as mulheres. Seu olhar louco e possuído as assustava. Aos homens nem tanto, pois era patente tratar-se de alguém possuída completamente por um desejo que ia além do sexual. Aquilo era amor, aquilo era fogo, aquilo era uma mulher enlouquecida, desejosa pelo choro, pela vida e por um amor que a acompanhasse naquele banquete dos sentidos. Chegou em casa, cozinhou e adormeceu, encolhida no canto da cozinha, ao lado do fogão, embriagada por sua aventura matinal e entorpecida pelo desejo do desconhecido.

5 comentários:

Anônimo disse...

Lindo demais, Abudinho, cada vez melhor. Beijo

Anônimo disse...

Oloco, Abud! :)
Beijo.

Anônimo disse...

Êta feirinha erótica essa. Beleza, Abud. Abraço.

Márcio disse...

Manda um bolerão aí que fica puro Almodóvar! show!

Anônimo disse...

Como seus textos são bem temperados, abud...