“Não fui eu” - penso ao acordar, com a camisa ao avesso e um gosto amargo na boca.
“Não fui eu” - decido, erguendo as pernas doídas, abrindo e fechando os dedos levemente dormentes.
“Não fui eu” - assobio, lavando as mãos na pia sem nem ao menos olhar pra elas.
“Não fui eu” - esqueço, ao arrumar o apartamento transtornado, desvirando móveis, varrendo cacos, raspando marcas de unha na parede.
Não fui eu?
Não...
Não, não fui.
Eu?
Corro até o banheiro, ouvindo a frase latejar dentro da minha cabeça.
A cortina verde-água cobre a banheira. Posso ver que contorna um corpo.
Não?
Pé ante pé me aproximo, e, já em sua frente, afasto-a com uma mão direita trêmula.
Não, não fui eu.
Não
Há
Nada
Lá.
Há
Nada
Lá.
Passo algum tempo olhando o fundo imaculado da banheira. Gostaria que minha consciência tivesse essa cor.
Corro até a sala, jogo-me no sofá e zapeio a televisão com o controle remoto.
Só então.
Se não fui eu, por que tenho tanto medo de descer até a garagem e checar a mala do carro?
Desligo a televisão num clique e respondo ao "boa noite" de Willian Bonner. Um boa noite carregado de julgamento, senhor Bonner? De ironia?
Não, meu caro.
Não fui eu.
Não fui eu.
4 comentários:
Que bárbaro !!! Que puta orgulho tê-lo aqui. Beijo
Ben, voce sabe que sou sua fã de carteirinha. Mas que foi você, foi!
tambem acho..
foi, foi, foi...
marciao meu veio... fantastico.
ab.
b.
Márcio, seu texto é cheio de vida, talento e emoção. Só assim se pode falar de vida e de morte, acho. Vida longa!
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