16 de set. de 2006

Atalhos


Ben Iamin


“Siga em frente”, dizia a placa amarelada, lavrada de balas.
E ele obedeceu, já sentindo o sapato machucar os pés com força.
Tinha encontrado a estrada por indicação do velho da mercearia que lhe vendera seu primeiro peão. Infelizmente a orientação não tinha sido lá muito clara, ou o velho realmente não sabia onde ficava o lugar. E ele só conseguiu chegar até ali.
Quando o sol já lhe cozinhava o couro cabeludo, ele percebeu na imagem trêmula daquele calor, um ponto preto à distância. Um ponto preto que lentamente foi se tornando a primeira mulher com quem fudeu.
Sorrindo, com um vestido talvez um pouco curto demais pra conter o esplendor de suas coxas, a volúpia do seu decote, ela apontou um aparente atalho no meio do canavial da sua infância.
E ele hesitou. Não tinha certeza se gostaria de voltar à fazenda de seu avô, à irônica asma que algemara a sua diversão de criança da cidade no interior.
Mesmo assim, dirigiu-se até a entrada. Mas não sem antes tirar os sapatos e sentir aquela inconfundível consistência do solo de massapê.
Foi ouvindo o coro do berro dos meninos que ele adentrou o canavial, decidido.
E encontrou, no meio da plantação, o filho que nunca teria.
Quando segurou a criança nos braços, admirado com a semelhança, percebeu que não sabia onde estava.
Encontrava-se, enfim, irremediavelmente perdido dentro de si mesmo.

(Quadro "O canavial" - NELY AFFONSO RODEGHIERO)

4 comentários:

Anônimo disse...

Ben,que texto com cheiro bom de mato, e viagem agreste pra dentro dos sentidos.Viva!!Sempre adoro.

b.ponto disse...

vixe, vixe, vixe...
sonoro o texto... com ritmo de tango.

mui bien, marciao...

ab.

Anônimo disse...

Anjo, rs

Apenas para saber que acompanho sempre e virei fã!
Li todos os outros e gosto cada vez mais...

Bjos

Anônimo disse...

VOCÊ É BÁRBARO!!!!!