15 de set. de 2006

Parte 4

Bianca Accioly


As poucas nuvens foram tomando corpo e o vento mudou de direção. As folhas secas corriam pelo corredor de vento fazendo acrobacias num balé aéreo. A correnteza do rio parecia ter aumentado um pouco, indicando que a chuva já estava forte pros lados da nascente. Nos apressamos para ir embora pois o caminho era um pouco longo.
Ao chegarmos a clareira notamos que o cavalo havia se desprendido e tomado o rumo de volta. Estava com as pernas inchadas e não podia andar direito. Ângelo saiu desesperado pela trilha com esperanças de alcançar o fugitivo. Me vi sozinha numa caminhada longa que não conseguia percorrer, joguei o pano em volta da cabeça e fui andando devagar tomando meu mate tranqüilamente.
Quando a chuva chegou, já estava forte e pesada. Como não era a primeira nem seria a última que tomaria, segui a caminhada. Na parte mais fechada do caminho havia uma árvore caída, impedindo a passagem. Não tinha forças para pulá-la, então tive que me sentar e esperar Ângelo voltar.
As horas iam passando juntamente com a chuva, e Ângelo não retornava. Comecei a ficar com fome, e nessa altura com medo de onça ou cachorro do mato.
Com o sol já alto, sem dormir direito e desde cedo fora de casa, comecei a me desesperar. As pernas já estavam mais descansadas e resolvi tentar pular a árvore, pois gritar ou chorar seria em vão. Escalei a árvore com muito custo e continuei pela trilha.
Cheguei até a casa mais próxima, que era do compadre Nho Tito e peguei um cavalo emprestado. Já em casa, soltei o bichano que se bandeou de volta. Adentrei minha casa na esperança de encontrar o rapaz. Vasculhei por todos os cantos, na casa dele, no celeiro, na horta...e nada.
Estava muito cansada e faminta. Fiz um almoço rápido e deitei na rede da varanda na esperança de rever meu menino. Adormeci no mesmo instante, tive sonhos tão reais que não conseguia distingui-los da verdade. Despertei com a luz da lua cheia, os grilos cantando e vaga-lumes florindo o campo pardo.
Na estrada que levava à vila apareceu um homem montado, levantei-me afoita de felicidade, só podia ser ele. Quanto mais se aproximava, mais notava que estava enganada. O homem chegou a porteira e pude reconhecer meu compadre Nhô Tito carregando uma expressão preocupada. Tive palpitações que a muito não tinha, as pernas me faltaram e a vista escureceu. Antes de cair no chão vi Nhô Tito correndo em minha direção.
Não cheguei nem a abrir os olhos e senti uma pontada forte no braço. Levantei num grito afobado, reconheci o doutor Luiz com aquele sorriso estranho habitual.
- A minha menina está se sentindo melhor ?
Alarguei o sorriso por causa da “menina” mas senti outra pontada, agora na cabeça. Levei a mão até ela e senti meus cabelos molhados e uma parte muito dolorida.
- Sangue! Meu Deus, o que aconteceu comigo ?
Por algum tempo fiquei olhando os dois atônitos sem conseguir me lembrar de nada. Nhô Tito me explicou que eu havia caído e que veio me ver pois ficou preocupado em me ver saindo do mato sozinha lá pela hora do almoço. Sua mulher o mandou até aqui para saber se estava tudo bem comigo, achavam que eu já estava muito velha e um pouco maluca. Foram educados nessa parte, mas deu pra ler nos olhos deles.
Eu me sentia cada vez mais zonza, parecia que havia vivido um mês só nesse dia. Não conseguia distinguir o que era dia e o que era sonho. Fui levada até meu quarto, deitada na cama, tomei um pouco de sopa que Nhô Tito havia trazido e dormi novamente.
Fiquei cinco meses sem notícias do garoto. Minhas pernas ainda estavam debilitadas devido aquela caminhada. Eu ia me recuperando lentamente, passava as noites acordadas pensando em muitas possibilidades, apesar das perguntas desconfiadas das pessoas, descartei a possibilidade de uma emboscada.
Pensei em ir para a capital em busca de pistas, até que chegou um cartão endereçado à casa abandonada da frente sem nenhuma mensagem. O cartão veio postado de São Paulo, com a imagem do Museu do MASP, e a data do dia do desaparecimento de Ângelo.

5 comentários:

b.ponto disse...

va entender essas criancas??
quem nunca pensou em fugir que atire a primeira pedra?

bjs bibi..
b.

Anônimo disse...

Que maravilha seu conto,parece uma narrativa ancestral que inicia as palavras na arte de iluminar uns caminhos no mundo de dentro.Viva!

Anônimo disse...

ai meu deus!
agora fiquei curioso
que aconteceu depois?

tem continuação?

abraço

Anônimo disse...

Bianca,

Gostaria de ler mais textos seus. ;)
Adorei a característica descritiva do seu conto, que é cheio de detalhes e delicadezas.

Bjos

Ricardo Mello disse...

esse texto e' uma armadilha....psicologica....voce le e fica mais curioso. Ate' agora nao sei se o menino existe ou nao e nem importa... quem sabe sou eu mesmo me mandando um postal.

viva.