Ricardo Mello
Na adolescência aprendeu a se afastar do espelho. No Maximo uma olhada no cabelo, de esguio. Jamais olho no olho.
Sua fraca auto-estima rompia-lhe os vasos quando exposta.
Se por um instante contemplasse a verdade que o olho no olho transgride, uma armadura se formava, franzindo vincos, enrugando a fronte.
Mas agora não havia jeito. O elevador tinha espelhos pelos quatro cantos. Aprisionado e sozinho. Exposto ao nu da face.
Ao primeiro sinal de desconforto, reagiu: -Ainda sou bonito, pensou franzindo a testa.
Sua frase escondia um temor que provocou, vinda das profundezas do útero cerebral, uma pergunta inesperada: -Seria a preocupação com a beleza um problema?
O golpe ficaria mais forte, como se o cérebro, cansado por anos, revoltasse buscando o consciente. -Porque reparo minha beleza em primeiro lugar?
Uma emoção invadiu os olhos, antecipando a derradeira pergunta: -Sou tão preocupado assim com as aparências ?
O inimigo cravava a espada em seu peito chegando ao ponto doloroso. Se não reagisse, morreria ali, sangrando. Seria hora de chorar pedindo perdão a si mesmo? A idéia de uma vida de aparências era inaceitável, medíocre, insuportável. Logo ele, não poderia ser.
-Mas beleza pode ser um sinal de saúde. A frase cuspida sinapse abaixo mostrava uma saída. A face reagiu com um leve sorriso de lado, pressentindo uma retirada triunfal.
-Claro, não são as aparências que me afligem e sim uma preocupação com a saúde, e isso explica minha preocupação com a beleza! Sua habilidade em construir tiradas de efeito era inabalável e com esse ultimo pensamento finalizou a desculpa salvadora.
Pelos quatro cantos, apesar da aparente derrota, o espelho sorria. Sua sabedoria milenar indicava que havia ganho outra vez. A raiz do medo mantinha-se inconsciente. Dessa vez, por pouco.
----
O elevador parou no quarto andar. Ele pode ver duas portas ao fundo do corredor. Saiu e sentiu o elevador fechar em suas costas tornando tudo insuportavelmente escuro.
-Aonde estaria o interruptor? A escuridão era abissal.
-Franziu os olhos. Nada. Lembrou que havia um vaso e preferiu não se mover. Chamou o elevador. Sem ele seria impossível achar o interruptor.
Enquanto esperava, recordou sua teoria profetizada em um bar com amigos: "O índice de stress pode ser medido pela ansiedade com que esperamos o elevador. Tem gente que entristece, tem gente que aperta o botão de novo, tem gente que não para quieto."
20 segundos depois e nada do puto do elevador. O tempo, no escuro, parecia alargado e perigoso. Tateando, sempre pensando no vaso, seguiu lentamente ate achar uma porta. Hesitou.
-Seria esse o 404 ?
(Leia o conto completo no arquivo em word, 'blueprint' - link na barra lateral)
Sua fraca auto-estima rompia-lhe os vasos quando exposta.
Se por um instante contemplasse a verdade que o olho no olho transgride, uma armadura se formava, franzindo vincos, enrugando a fronte.
Mas agora não havia jeito. O elevador tinha espelhos pelos quatro cantos. Aprisionado e sozinho. Exposto ao nu da face.
Ao primeiro sinal de desconforto, reagiu: -Ainda sou bonito, pensou franzindo a testa.
Sua frase escondia um temor que provocou, vinda das profundezas do útero cerebral, uma pergunta inesperada: -Seria a preocupação com a beleza um problema?
O golpe ficaria mais forte, como se o cérebro, cansado por anos, revoltasse buscando o consciente. -Porque reparo minha beleza em primeiro lugar?
Uma emoção invadiu os olhos, antecipando a derradeira pergunta: -Sou tão preocupado assim com as aparências ?
O inimigo cravava a espada em seu peito chegando ao ponto doloroso. Se não reagisse, morreria ali, sangrando. Seria hora de chorar pedindo perdão a si mesmo? A idéia de uma vida de aparências era inaceitável, medíocre, insuportável. Logo ele, não poderia ser.
-Mas beleza pode ser um sinal de saúde. A frase cuspida sinapse abaixo mostrava uma saída. A face reagiu com um leve sorriso de lado, pressentindo uma retirada triunfal.
-Claro, não são as aparências que me afligem e sim uma preocupação com a saúde, e isso explica minha preocupação com a beleza! Sua habilidade em construir tiradas de efeito era inabalável e com esse ultimo pensamento finalizou a desculpa salvadora.
Pelos quatro cantos, apesar da aparente derrota, o espelho sorria. Sua sabedoria milenar indicava que havia ganho outra vez. A raiz do medo mantinha-se inconsciente. Dessa vez, por pouco.
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O elevador parou no quarto andar. Ele pode ver duas portas ao fundo do corredor. Saiu e sentiu o elevador fechar em suas costas tornando tudo insuportavelmente escuro.
-Aonde estaria o interruptor? A escuridão era abissal.
-Franziu os olhos. Nada. Lembrou que havia um vaso e preferiu não se mover. Chamou o elevador. Sem ele seria impossível achar o interruptor.
Enquanto esperava, recordou sua teoria profetizada em um bar com amigos: "O índice de stress pode ser medido pela ansiedade com que esperamos o elevador. Tem gente que entristece, tem gente que aperta o botão de novo, tem gente que não para quieto."
20 segundos depois e nada do puto do elevador. O tempo, no escuro, parecia alargado e perigoso. Tateando, sempre pensando no vaso, seguiu lentamente ate achar uma porta. Hesitou.
-Seria esse o 404 ?
(Leia o conto completo no arquivo em word, 'blueprint' - link na barra lateral)
3 comentários:
Belo texto.
Seu texto tem espelhos pelos quatro cantos e no meio e acima e abaixo um incêndio.
me perco sempre em corredores.
sem luz.
sem portas... e, principalmente, sem vasos.
se ao menos tivessem vasos.
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