12 de mai. de 2006

O vento e o tempo


Lilly Rowan

Vamos chamar o vento...Vamos chamar o vento...
Eu era menina e ouvia a música do Dorival Caymmi como quem via um filme, de tão visual que era. Primeiro a chamada mansinha, e depois, no resto da letra, o sopro veloz do vento que chegava:
Vento que dá na vela
Vela que leva o barco
Barco que leva a gente
Gente que leva o peixe
Peixe que dá dinheiro, Curimã.
Também cantava muito Prece ao Vento, que descobri ser de um certo Gilvan Chaves* e diz:
Vento que balança as palhas do coqueiro
Vento que encrespa as ondas do mar
Vento que assanha os cabelos da morena
Me traz notícias de lá.
Me dava uma nostalgia, uma saudade não sei do quê. Nem podia saber, devia ter só uns 10 anos, Mas já suspirava como gente grande.Tudo que diz respeito ao vento me pega fundo. Será alguma relação com a transitoriedade das coisas? Nunca pensei nisso antes, mas não deve ser isso. Lembro de como o vento sibilava desafiante quando Caetano cantava, nos idos de 67:
Caminhando contra o vento
Sem lenço sem documento
No sol de quase dezembro, eu vou...
Da rebeldia juvenil ao soturno canto dos tempos sombrios dos porões da ditadura, o vento continuava uivando. Na música de Edu Lobo, de 1972, ele vinha como um sinal de mudança:
Era a lei da coroa imperial
Calmaria negra de pantanal
Mas o vento vira e do vendaval
Surge o vento bravo, o vento bravo
Vivíamos uma época braba, e bem que queríamos um bom sopro de ar para varrer o clima pesado. Alguns anos depois, em 75, iniciado o movimento de abertura política, o mesmo Caetano adoçava nosso espírito com a brisa suave de João do Vale e Luiz Vieira:
Deu meia noite, a lua faz um claro
Eu assubo nos aro, vou brincar no vento leste
De lá para cá, muito vento assobiou. Mas já não presto tanta atenção nele. Ou então, sei lá: dizem que tudo é calmo no olho do furacão.
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Nota de pé de vento,digo, de pé de pagina:
E o "um certo Gilvan Chaves", foi o Gilvan Chaves certo. Avô paterno de meus filhos, Fábio e Gabriela,convivi de perto com a calmaria dos seus olhos verdes, com o furacão de suas emoções. Se nunca o ouvi cadenciar o sonho de meus filhos com sua Prece ao Vento, a saudade que ele nos deixou sopra mansa em nossas vidas como o vento de Olinda.

Um comentário:

Anônimo disse...

É isso mesmo: o vento, algo que nos ajude a respirar, a sair do estado de choque, da paralisia.