11 de mai. de 2006

Calafrio



Alexandre Abud
No começo pensei que fosse mais um dos inúmeros calafrios diários. A bebida, minha inseparável aliada, sempre representou um fator de risco, mas isso nunca me preocupou, principalmente após o primeiro trago. A questão, desta vez, é que nem a famosa frase que sucede os calafrios pareceu adiantar. Disse em voz alta, inúmeras vezes, como um ébrio mantra: “Sai morte que eu estou forte, sai morte que eu estou forte”. Em vão. Depois, julguei por bem verificar se as janelas estavam fechadas. Apesar de saber que era verão, aquela gelada e inexplicável sensação a percorrer minha espinha, de norte a sul, poderia ser uma friagem qualquer. Tudo fechado. Mais um trago, talvez uma oração. Outro calafrio e nenhuma explicação. Mais goles. Um par de meias talvez resolvesse. Das grossas, de futebol. Nada. Outro trago, outro calafrio. Banho quente e conhaque. Nada resolveu. Muito mais bêbado, após fechar as janelas, orar, vestir meias e tomar banho quente, senti o milésimo calafrio da noite e percebi que você sorria para mim, irônica, protegida pelo fino vidro do porta-retratos estrategicamente postado no criado-mudo. Quando ainda viva, antes de dormirmos eu tinha o hábito de despedir-me de você, beijava-lhe a fronte e você adormecia. Agora, depois de sua morte, percebo que me visita e, inversamente, me tira o sono.

6 comentários:

Márcio disse...

Ainda bem que aqui no quarto não tem foto...Putz! Gelei!

Anônimo disse...

Abudinho, segura aí meu coração.Obrigada pela lindeza de texto.

Anônimo disse...

"Sai morte, que escrevo." Entra vida, que a morte não mata o amor.Mil calafrios! Belo seu texto!

Anônimo disse...

Adoro esse jeito curto de escrever o mundo.

Laura_Diz disse...

ai Abud...
muito bom, viu?

Barbara disse...

Eu avisei que faria isso...